Desde quando comecei a participar da bicicletada e questionar o modelo de desenvolvimento centrado no automóvel, tenho procurado alternativas ao uso irracional do carro. Já não tenho carro há alguns anos e tento ajudar qualquer um que queira usar menos o carro e precisa de um empurrãozinho.
Entretanto, além do nosso transporte pessoal do dia a dia, nós somos responsáveis por muitos outros deslocamentos. Cada vez menos, os produtos que consumimos e os serviços que utilizamos são gerados por nós mesmos ou por pessoas da nossa vizinhança.
…Claro, se para percorrer todo esse caminho, o alimento será transportado via avião, navio ou caminhão, grandes emissores de gás carbônico, não há muita dúvida de que o problema existe. Mas a produção de um alimento consome muito mais do que gasolina ou diesel. Dois exemplos são os nutrientes do solo e a água. Outro fator importante é que, quanto mais tempo viaja, mais o produto perde suas propriedades nutritivas.
Schumacher afirma que assim como é indesejável ter que percorrer longas distâncias de casa para o trabalho, satisfazer as necessidades humanas a partir de fontes longíquas também é um sinal de deterioração. Contudo, nossos especialistas poderiam facilmente afirmar que o aumento de toneladas/km per capita de produtos transportados é um claro sinal de progresso econômico.
…pessoas numa comunidade local auto-suficiente estão bem menos expostas à violência do que aqueles que dependem do comércio global.
E.F. Schumacher Small is Beautiful
Dá pra perceber que as consequências de escolhas como essas vão muito além do simples aumento de consumo de combustíveis ou congestionamentos. Existe o desequilíbrio ambiental, a depreciação do alimento e o prejuízo sócio-econômico. Um método de avaliação conhecido como Food Miles (algo como “milhagem de alimentos”) é uma tentativa de contabilizar o custo real dos nossos hábitos alimentares levando em conta as viagens feitas pelo alimento da produção até chegar a nossa mesa. Apesar de contribuir para a conscientização da importância de consumir produtos locais, ele ainda é bastante restritivo e nós ainda estamos descobrindo todos os impactos negativos gerados pelo nosso estilo de vida atual.
Além das questões nutricionais, alimentos orgânicos e de agricultura familiar contribuem para a empregabilidade no campo. O que evita o êxodo rural, e, por conseqüência, o aumento de favelas em centros urbanos.
…Brasil é campeão de exportações. E Santa Catarina orgulha-se dos seus números. No entanto, ao exportar a carne produzida por aqui também se exporta a água potável, os milhões de hectares utilizados para alimentar os animais, as florestas queimadas. A única coisa que fica são os resíduos.
O relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na quarta-feira passada (23 de junho) identificou agrotóxicos ativos e prejudiciais à saúde humana em 15 das 20 culturas analisadas. Boa parte desses aditivos químicos são utilizados para permitir que o alimento possa ser cultivado fora da estação ou em locais e climas exóticos para espécie ou ainda neutralizar seu processo natural de maturação, fazendo com que tenha uma “aparência” saudável por mais tempo, podendo ser estocado ou transportado grandes distâncias.
…chama a atenção a grande quantidade de amostras de pepino e pimentão contaminadas com endossulfan; de cebola e cenoura com acefato; e de pimentão, tomate, alface e cebola com metamidofós. Além de serem proibidas em vários países do mundo, essas três substâncias já começaram a ser reavaliadas pela Anvisa e tiveram indicação de banimento do Brasil.
E a questão do transporte tem um papel fundamental. Katie Alvord no seu livro Divorce your car (sem tradução para o português) cita um caso interessante. Antigamente havia um limite para o que se cultivava no campo. Os transportes disponíveis da época tinham velocidade e capacidade inferiores aos dias de hoje. Isso fazia com que os produtos tivessem que ser distribuídos a áreas próximas para que pudessem chegar frescos. Se um produtor atingisse esse limite, ele tinha que parar de trabalhar para não gerar desperdício. Esse tempo ocioso era investido no relacionamento entre pessoas próximas, em mutirões para botar uma cerca no lugar ou cuidar de um vizinho doente.
Com o advento do transporte motorizado e a visão de maximização de lucro e produção, todo o tempo disponível passou a ser dedicado em produzir mais e mais, tornando as pessoas cada vez mais isoladas e dependentes exclusivamente do dinheiro. Curitiba é um exemplo claro disso. O abandono de comunidade rurais é um fenômeno bastante comum em nossa cidade. Pequenos agricultores não podem competir com o comércio globalizado e redes de supermercados. E à medida que os grandes varejistas passam a ser o canal exclusivo de acesso aos bens primários de consumo, eles passam também a controlar a vida dos produtores. O que deve ser plantado, como deve ser plantado e inclusive o preço que vai ser pago.
Cada dia temos menos portas de acesso aos alimentos, uma vez que o produtor tem menos opções para chegara até nós. O poder da indústria agro-alimentar é total e nossa alimentação é determinada por seus interesses econômicos.
Esther Vivas co-autora do livro Supermercados, no gracias
Segundo Esther no seu artigo Viver sem supermercado: “O diferencial entre o preço de um produto na origem( pago ao campesino) e no destino ( o que pagamos em um “super”) está numa média de 490%, segundo cifras do Sindicato campesino COAG, mas em relação a alguns alimentos este pode superar os 1.000%… Esta situação comporta um crescente empobrecimento da população campesina, com uma diminuição anual de sua renda em 26% nos últimos cinco anos.” Ao comprar produtos locais de pequenos produtores, você está investindo em alguém próximo a você e isso ajuda a elevar a qualidade de vida da sua região. Denis Russo aponta ainda outra vantagem.
…incentivar o comércio local torna as cidades mais interessantes. San Francisco, que tem leis rigorosas para desestimular a chegada de grandes redes, tem um comércio absurdamente variado e divertido. Austin, no Texas, outra cidade que preza o comércio independente, tem um dos aeroportos onde se come melhor no país. Todos os restaurantes e lanchonetes do aeroporto são de donos locais.
Denis Russo Burgierman Compre local
Os impactos negativos gerados por uma sociedade que preza o automóvel acima de tudo ainda estão sendo revelados. Essa é mais uma das facetas que tem se tornado mais evidente. Você anda de bicicleta? Ótimo. E a sua comida vem de lugares como o WallMart, Condor, Pizza Hut, Habib’s… ou da venda da esquina, da horta do seu Lauro em Colombo, da vaquinha da Karen em Campo Magro ou até mesmo do seu próprio quintal… ?
Filed under: Dá pra viver sem carro?, Opinião, Transporte, Urbanismo | Tagged: alimentação, cultivo, produção, subsistência, sustentabilidade | 6 Comments »