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Ciclovias não são necessariamente boas

Ciclovia é uma palavra mágica para quem não usa a bicicleta. Você leu certo, para quem não usa a bicicleta. No Brasil, ela é geralmente vista como a panacéia para os ciclistas. E o pior, quando são inviáveis de implantar por falta de espaço ou qualquer motivo que seja, a situação está resolvida; pois o que não tem remédio, remediado está!

Mas não é exatamente assim que funciona. A ciclovia, uma via segregada para ciclistas, é apenas uma das várias medidas de incentivo à ciclomobilidade. E deve ser aplicada apenas em casos bem específicos, caso contrário, ela mais atrapalha do que ajuda. Quer saber como isso é possível?

Tirando de quem tem pouco
Muitas vezes, a ciclovia é implantada na calçada, tomando o espaço dos pedestres (em Curitiba, por exemplo, a rede inteira é assim). Isso além de gerar conflitos na circulação reduz ainda mais o exíguo espaço destinado a quem não está de carro e diminui consideravelmente a velocidade média do ciclista.

Perigo dobrado
Ao oferecer uma via de circulação diferenciada, a bicicleta fica fora do campo de visão dos motoristas. Inevitavelmente, nos cruzamentos a bicicleta precisa atravessar a rua e o risco de colisão aumenta consideravelmente.

Essas afirmações não são meros achismos. O blog VoudeBicicleta tem alguns números interessantes:

  • Cerca de 95% dos acidentes envolvendo bicicletas e carros ocorrem justamente nos cruzamentos de acordo com um relatório feito em Harvard.
  • Um estudo feito em Nova Iorque de 1996 a 2005 mostra também que acidentes com feridos graves ou mortes acontecem com maior frequência nos cruzamentos.
  • Em Copenhagen foi verificado que a implantação de ciclovias em algumas vias aumentou o número de acidentes entre carros e ciclistas nos cruzamentos em mais de 100%.

Além desses fatos, vale a pena reproduzir algumas das citações retiradas do blog Menos1Carro:

Uma Pista Ciclável paralela a uma via é extremamente perigosa. Utilizar a bicicleta neste tipo de via é análogo a utilizar o passeio. Quando este tipo de pista é só num dos lados da via, metade dos ciclistas andam contra o sentido do tráfego motorizado, tornando os cruzamentos mais perigosos.

The Dilemmas of Bicycle Planning, Schimek, Paul
Massachusetts Institute of Technology (MIT – Department of Urban Studies and Planning)

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Pistas Bi-direccionais ao lado de uma via são extremamente perigosas.

Effective Cycling, John Forester
MIT Press, 6ª Edição, 1993, Cambridge, USA

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Nos cruzamentos com semaforização, os ciclistas em Pistas Bi-direccionais estão 5 vezes mais em risco que a circular em coexistência. A utilização de corredores contrastantes só reduz o risco de acidente 1,5.

Safety of Cyclists at Urban Junctions
Schnull R. and Alrutz D., R262 Bundesanstalt Fur StraBenwesen, Germany 1993

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Passeios partilhados entre peões e ciclistas ou Pistas Cicláveis, construídas ao nível dos passeios ou só pintadas sobre passeios, são uma invenção do planeamento de tráfego orientado para os carros que foi a tónica das décadas recentes. Andar de bicicleta nos passeios é perigoso em qualquer dos casos (legalizado ou não).

Projeto ”Greening Urban Transport”, 2000
The European Federation for Transport and Environment

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É especialmente inapropriado sinalizar um passeio como via partilhada ou pista ciclável se fazer isso implicar a proibição de ciclistas de usar uma forma alternativa de servir as suas necessidades.

Guide for the Development of Bicycle Facilities”, 1999
American Association of State Highway Transportation Officials (AASHTO)

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Ciclistas estão mais seguros quando agem e são tratados como condutores de veículos.

“Effective Cycling”, John Forester
MIT Press, 6ª Edição, 1993, Cambridge, USA

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Um estudo recente em Helsinque mostrou que é mais seguro andar de bicicleta entre os carros que em pistas de bicicleta bi-direccionais ao longo das ruas. É difícil de imaginar que a nossa rede ciclável possa ser reconstruída. Mas em países e cidades que estão neste momento a começar a construir ciclovias, Pistas Cicláveis Bi-direccionais devem ser evitadas em arruamentos urbanos.

The risks of cycling, Eero Pasanen
Helsinki City Planning Department, 2001, Helsinque, Finlândia

Apesar de não existirem estudos nessa área aqui no Brasil, existem algumas opinões a respeito, como no artigo “Não use a ciclovia!” e o texto do engenheiro mecânico, mestre em engenharia de transportes pela Coppe/UFRJ e doutor em estudos de transportes pela Universidade de Londres, Paulo Cesar Marques da Silva publicado recentemente na Gazeta do Povo:

… As ruas são os espaços das cidades destinados à circulação de pessoas, a pé ou embarcadas em veículos… Na verdade, a rua, que comumente associamos ao espaço de circulação dos carros, só ficou assim muito recentemente. Há relatos da existência de ruas como lugares de encontros de pessoas para as mais diversas atividades desde o início da história da humanidade. Os automóveis, entretanto, com apenas um século de vida, apossaram-se delas de tal forma que não as chamamos mais de ruas se elas tiverem um uso diferente. Por sua vez, é possível que as ciclovias tenham nascido dessa ideia de apropriação das ruas. Em tese apresentada à Universidade de Kassel em 1990, Burkhard Horn mostrou como a construção de ciclovias na Alemanha do período nazista estava associada ao programa de motorização em massa, que requeria a priorização do tráfego de automóveis nas vias. O estímulo à aquisição e ao uso de automóveis teria levado o regime a investir numa medida que tirava as bicicletas das ruas.

Para velocidades e volumes moderados, o melhor é que bicicletas, automóveis e outros veículos convivam pacífica e harmonicamente.

Paulo Cesar Marques da Silva
Prof. do Depto. de Engenharia Civil e Ambiental e do Programa de Pós-Graduação em Transportes da UnB

Portanto, se você estava esperando mais ciclovias para começar a pedalar, não precisa mais esperar.

15 Respostas

  1. Concordo plenamente com o texto. Nada têm a auxiliar a vida das pessoas que utilizam a bicicleta como meio de transporte diário.
    E como eu prefiro pedalar na faixa da esquerda, sempre no sentido da via, as vezes imagino uma hipotética reação de um motorista qualquer, enfurecido com um veículo tão lento como o meu, gritar para mim:
    _Hei, por que não anda na ciclovia?
    _E por que o senhor não anda de bicicleta lá também, pra ver o quanto é ruim e perigoso para os pederestes?

  2. Excelente a exposição do segregacionismo imposto pelas ciclovias!
    Esta percepção o próprio Luis Patrício já aplicou aos pedestres, quando demonstrou que estes merecem mais do que uma faixa de travessia em seu direito ao espaço urbano.
    Assim como o pedestre está condenado a caminhar por calçadas de qualidade inferior, sendo o último dos últimos na hierarquia da ocupação das vias públicas, para o ciclista a situação não é diferente.

  3. Tudo é função de qualidade, competência e educação.
    O que precisamos agora é rever prioridades e estratégias de desenvolvimento de monstrópolis, ops, megalópolis.
    Estive em Bogotá e Zipaquirá (Colômbia) e fiquei empolgado com o que estão fazendo, inclusive ciclovias PROTEGIDAS em paralelo à rodovia entre essas duas cidades. Novo trecho para o Milenium (bogotá)sendo construído com um padrão que perdemos no Brasil etc. Fala-se em sustentabilidade, poluição etc. Não estaria na hora de se rever conceitos antigos e que deram resultados condenáveis?

  4. Ótimo texto. E para mim, o pior da ciclovia é o efeito de disseminar a idéia de que lugar de bicicleta é *na ciclovia* – e somente nela! Legitima o pensamento dos que acreditam que a bicicleta não é um veículo, é uma brincadeira, e não deve andar nas ruas porque “atrapalha os carros”. Algumas dessas pessoas se acham no direito de punir o ciclista com uma fina ou fechada, colocando a vida do ciclista em risco.

  5. Brilhante texto. Parabéns !!!! Temos algumas considerações:
    1. Ciclovia como turismo é perfeito para quem usa nos finais de semana !
    2. Em cidades praianas ao lado do mar.
    3. Em cidades cosmopolitas ao de rios ou ferrovias.
    4. O grande desafio é integrar e todos pensam em segregar !!!!!!!!
    Enqto não perceberem isso nada acontece. Abração

  6. que ótimo que o cicloativismo brasileiro começa a abrir os olhos pra essa falácia do “queremos ciclovia”. Elas só aumentam os riscos aos ciclistas e favorem o aumento da velocidade de circulação dos carros. São um instrumento pró status quo do trânsito, pintado como contracorrente.

  7. Obrigado pelos comentários. Realmente muito pertinentes.

    Bicicletas na rua são realmente um dos mais efetivos elementos de traffic calming.

  8. O problema é um axioma que ninguém parece contestar, nem mesmo saber que existe. Em todos os traçados a via dos automóveis é contínua, enquanto a calçada desaparece nos pontos em que o pedestre precisa atravessar o caminho dos automóveis. O mesmo se dá com ciclovias em relação às “ruas” – a própria terminologia já indica a concepção de que a rua é do carro, o resto vem depois.

    Uma vez explicitando o axioma fundamental do transporte urbano, fica fácil de ver que ele está errado. O correto seria o contrário. As calçadas deveriam ser contínuas, de forma que o automóvel teria que atravessar a calçada para passar de um quarteirão a outro. Onde houver ciclovia, a rua dos carros teria uma descontinuidade extra no cruzamento com a ciclovia. O ciclista por sua vez teria que atravessar a calçada do pedestre para ir de um quarteirão ao outro.

    Isso aumentaria a velocidade e segurança do transporte a pé, consequentemente favorecendo o transporte público e diminuindo os problemas urbanos e sociais. É incrível como uma hipótese geométrica tão simples e tão obviamente errônea pode perdurar por tanto tempo sem ser contestada, apesar de causar tantos problemas urbanos, sociais, e ambientais.

  9. […] Caso a população mundial continue a se expandir e as grandes cidades continuem a acumular contingentes cada vez mais numerosos de pessoas, a mobilidade dos seus habitantes transformará inevitavelmente a bicicleta em veículo prioritário à mobilidade de todos. Isto porque a bicicleta será o veículo mais democrático e também aquele onde a velocidade será a mais adequada à convivência humana, com ou sem ciclovias, mas certamente com muita infraestrutura. Este artigo foi escrito pelo arquiteto-urbanista e ex-presidente da UCB Antonio C. M. Miranda em resposta ao artigo Ciclovias não são necessariamente boas. […]

  10. Um pouco off topic: o Luiz Dranger do comentário acima é meu primo, filho do Jaime Dranger? Aqui Felipe filho da Rosa.

    Voltando ao tópico, botei no meu blog um link para cruzamentos entre calçada, rua-dos-carros, e ciclovia feito da maneira que no meu ver é correta. Está no 8o comentário em http://bit.ly/idbIda

  11. Concordo com as observações utilizadas nos comentários e referências bibiliográficas.

    Todavia, convém salientar que a ciclovia é medida extrema quando inexiste compatibilidade do tráfego cicloviário e a via em razão do volume e composição do tráfego, bem como da velocidade comercial da via.

    Em se tratando de uma rede cicloviária, a ciclovia pode e deve ser parte da solução, quando se necessita interligar áreas de interesse distantes, sendo impossível medidas de moderação do tráfego que comporte a utilização compartilhada da bicicleta.

    Uma ciclovia bem projetada, com sinalização viária adequada definindo adequadamente os pontos de entrada e saída, compatilizada com a travessia de pedestres e tratamento especial em cruzamentos e retornos pode sim ser uma solução que resguardará vidas de ciclistas em tráfego pesado e rápido. Não se pode apenas descartar tal solução, mas sim adequar ao caso específico com base em soluções de engenharia de tráfego e de um bom desenho geométrico que leve em consideração as necessidades dos ciclistas e demais usuários da via pública, inclusive dos pedestres.

    Eng. João Alencar Júnior, D.Sc.
    Engenheiro de Transportes
    Analista de Infraestrutura (MPOG/MCidades)
    Bacharel em Direito

  12. Gosto do que aprendo aqui sobre ciclismo, para tentar ajudar como urbanista. A questão que F,PAit aborda é coerente. A questão se resolve com criatividade e mudança de paradigmas.
    A estrutura das cidades com uma trama ortogonal foi inventada a mais de 2000 anos e continua sendo copiada, porque seu desenho ficou impregnado na memória cognitiva do homem: cidade é um lugar configurado por ruas e quarteirôes. Qualquer um cria assentamentos humanos seguindo esse padrão.
    O plano Piloto de Brasília é a primeira cidade do mundo que reinventa o desenho urbano. Aqui Lucio Costa transformou os quarteirões em quadras abertas, sem muro ,permeáveis, para facilitar o trânsito a pé. Ocorre que enquanto a cidade não foi urbanizada ninquém entendeu as vantagens desse desenho para o pedestre e desceu a lenha… rotulando que esta era uma cidade sem rua. (Onde estão esses malvados?)
    Veja minha tese na internete através do titulo “O lugar do pedestre no Plano Piloto de Brasília”.
    Uma idéia para melhorar as cidades. Pode-se alterar a função das vias, transformar algumas delas em vias para pedetres e a outras dar privilégio às bicicletas. Afinal, tá na hora de democratizar o trânsito nos centros urbanos. ciclovias de forma controlada e dEm muitas delas podem eliminar vias para auto

  13. Li na sua tese: “Mumford (1982) lembra que, em Pompéia43, havia uma calçada elevada para o pedestre, que atravessava a via. Essa idéia não foi disseminada como um benefício físico da engenharia devido a uma “certa pobreza de imaginação” e porque não se pensava na “finalidade humana” (MUMFORD,1982).” Não sabia disso – faz muito tempo que olhei o Mumford.

    Interessante. Um dia preciso entender Brasília. Minha ignorância é realmente sem limites.

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